Eu, a menina...

Postado por Fernanda Huppert
Fui, na infancia, uma menina de bata branca que corria no recreio. Escrevia cartas de amor às escondidas da mãe e fazia-me de princesa nos jogos da escola. Os sonhos, trazia-os eu na palma da mão, presos por um fio de prata como se fossem balões que me arrastavam no ar.
Eu era uma menina com asas na mão. Nessa altura, eu olhava para as “maquiagens” de minha mãe e para os sapatos que ela tinha, e chorava.
Não queria ser uma menina pequena com meia dúzia de sonhos tolos na mão. E sempre que eu chorava descobria que saía apenas água salgada e nunca a crença nesses pequenos grandes balões. Eu acreditava ter nascido no tempo errado dos amores.

A história havia começado sem a princesa. Hoje cresci, as mãos cresceram.
Descobri que o coração ficou mais pequeno para os sonhos e maior para o medo.
O coração é elástico. Os sonhos não são mais balões – se o são, fugiram e eu caí ao correr atrás deles.
Se alguém perguntar se fui feliz – não, não perguntem – eu mandaria perguntar se os sonhos doem mais agora do que doeram enquanto pousados na bata branca. Tento esconder-me das fotografias de criança para não ter que admitir que fracassei em todos os balões que eu, ainda menina da bata branca, trazia presos em mim.

Eu não soube guardar meus sonhos quando menina.
Não, não a tragam até mim, esta menina que perdeu-se, o seu sorriso triste perguntaria coisas e olharia para a palma da mão onde não estariam mais os sonhos que eu deixei a vida matar.
Eu sei que ela iria querer saber:

- Se tens uma mão maior do que a minha, como é que os balões não couberam na tua mão?E eu teria para lhe dar apenas o silêncio que ela veria engasgado no meio da minha garganta. Talvez ela percebesse que eu enchi demais os seus balões com silêncios mortos e eles estouraram pelo ar.
Lembro-me que a menina da bata branca era feiticeira e tinha nos olhos uma bola de cristal. Adivinhava coisas doces no futuro e eu não seria capaz de dizer que aquilo que ela via não era amor, mas sim um barco perdido que se afundava com todos os sonhos num baú.
Como dizer a uma menina, que guardava no bolso cartas de amor, que todas as suas previsões estavam erradas?
Como lhe dizer que todas as lágrimas que chorou não foram suficientes, porque dentro de mim e dela existe um oceano?
E eu sei que ela diria, entre o correr silencioso de uma lágrima, que podemos sempre encher novos balões. E eu não seria capaz de lhe dizer que perdi todas as forças para prender balões a mim.
Mas eu diria que ela estava errada quando disse que nasci no tempo errado dos amores.
Não nasci ...
Não, não nascemos menina ...
Porque nunca existiu um tempo certo para gente como eu e você...

Fernanda Huppert

1 Response to "Eu, a menina..."

  1. Ju Fuzetto Says:

    É sempre no Outono que o amor se espalha pelo ar!!!


    Um beijo